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O grito nosso de cada dia.
O grito nosso de cada dia
Crônica - Pensamento
Meu filho tinha por volta de 9 meses quando senti vontade de gritar com ele pela primeira vez.
Sim, eu já tive vontade de gritar em muitos momentos na vida. Para ser honesta, quase todos os dias. Estava acostumada, mas, com meu bebê, super fofo e calmo, aquela foi a primeira vez. E ali eu pensei: tem algo de errado comigo.
Lembrei da minha mãe gritando muito, sempre e várias vezes em casa. Respirei fundo porque sabia que o mergulho ia ser intenso.
Não berrei, e veio a pergunta: De onde vem essa raiva?
As mães têm, os pais, os chefes, os empregados, os pobres, os ricos e, inclusive, as crianças que, ao olhar autocentrado dos adultos, não têm nenhum motivo para isso.
Então, é algo nosso? Humano?
Mas qual a razão? É falta de paciência? Desespero? Angústia?
Outro dia, um escritor, muito culto, disse que era uma energia que atravessava as pessoas por causa da opressão vivida na rotina de trabalho.
Eu acho um ponto de vista válido, mas não é real. Tem gente nada oprimida, sem trabalhar, berrando por (quase) nada.
Falar da nossa raiva é algo quase proibido em um mundo de pessoas totalmente saudáveis, alegres e espiritualizadas. Eu queria falar da vontade que dá de gritar e arrancar os cabelos. Mas, naquele momento, me agarrei no que me salvou de cometer um erro grave com um belo inocente: a pergunta.
Antes de colocar a garganta para funcionar, eu me perguntei a razão. Eu não tinha certeza do que estava sentindo. Lembrei de toda a minha breve existência, e meu mundo caiu. Provavelmente, essa foi a maior apunhalada nas costas que recebi.
Tantos livros, cursos e estudos sobre a vida, o trabalho, os relacionamentos, para, na prática, na rotina, descobrir que a convicção é a maior traidora de todas. Porque, na hora da crise, na maternidade ou fora dela, quem vem me salvar é ela, aquela desprezada e dita como fraca, mas que hoje eu sei, é a minha melhor amiga:
A dúvida.
Não saber me convida a pensar e abre espaço para o respiro.
Olhei para o meu filho, tão pequeno, sem saber nada sobre a existência, e me dei conta de que, nisso, não éramos tão diferentes. Sem certezas, restava a responsabilidade pelo que sinto e por cada escolha que faço. E foi assim que tive vontade de gritar outra vez.